(AHFA)

A MORTE DE ÓSCAR MONTEIRO TORRES

A morte do capitão Óscar Monteiro Torres (OMT) é, no passado recente, um daqueles eventos mais envolvidos em mitologia, ignorância e criatividade, porque não dizer deliberada mentira, que têm criado uma incerteza profunda quanto aos factos reais.

Mitologia, porque muitos autores se respaldaram numa certa visão do herói para dar uma versão envolvida no manto do mito histórico, para dar da morte de OMT uma aura que está longe da realidade.

Ignorância, porque, apesar das fontes históricas absolutamente rigorosas, testemunhais e credíveis, estarem perfeitamente disponíveis nos nossos Arquivos militares, continua a ser frequente, mais de cem anos depois, fazer gala desse voltar costas às fontes e perpetuar essa forma de grosseiro desrespeito.

Criatividade, porque a maioria dos autores, para "embelezarem" um evento que foi trágico com as cores que preferiam que tivesse tido, não hesitaram em criar uma ficção, uma "narrativa", totalmente inventada, ao gosto dos mais variados autores.

A coisa é de tal maneira, que é desafiador fazer o percurso de encontrar qual foi a verdade. Há vários autores sérios, por exemplo, que preferem não dizer nada sobre o combate, talvez com receio de se verem desmentidos pela enxurrada de versões diferentes, qual delas a mais "verídica".

Se um dia o leitor se dedicar a fazer uma pesquisa acerca das versões que se encontram, quer na internet quer em trabalhos escritos publicados em livros, revistas e outros suportes, vai encontrar cerca de dez a doze diferentes, se não pesquisar muito fundo.

As versões diferem entre si nos pormenores. O próprio facto, aparentemente dado por adquirido, de ter havido um combate, é, em si mesmo, origem de divergência! Com efeito, existe um autor prestigiado que até tem duas versões antagónicas. Escreveu num livro famoso que OMT travou um combate e abateu dois aviões inimigos, e num outro trabalho publicado numa revista francesa escreveu que ele foi abatido pela DCA, ou seja, afinal não houve combate aéreo.

Mas, afinal, o que ocorreu? Na pesquisa que efetuei para o meu livro "A Aviação Militar Portuguesa Durante a Primeira Guerra Mundial", pude concluir que, afinal, não é possível ter dúvidas, pois existem fontes diretas, testemunhais, do evento. 

O combate aéreo travado no dia 19 de novembro de 1917, de que resultou a morte de OMT, foi descrito com detalhe em três cartas escritas num prazo de cinco dias. Duas delas foram escritas no dia 21 pelo comandante da Escadrille SPA 65, que era a unidade de OMT, o Capitaine Bathélémy Lamy. Este aviador foi testemunha e participante do combate. Uma das cartas foi dirigida ao Chefe dos Serviços de Aviação do CEP, o capitão Norberto Guimarães, e a segunda ao embaixador português, Monsieur le Ministre du Portugal.


Um SPAD S.VII idêntico ao que OMT usou no combate. (Postal ilustrado da época, coleção do autor)


Nelas ambas, em síntese, o Capitaine Lamy diz que, cerca das 14:45h, durante a patrulha que ele e OMT faziam sozinhos sobre a linha da Frente, encontraram dois bilugares alemães à cota de cerca de 500m de altitude, a fazer trabalho de observação sobre o lado francês. Presumindo que eles, como frequentemente ocorria, faziam escolta um ao outro, atacaram-nos. Os alemães viram-nos e viraram para o interior da sua zona. Lamy atacou o avião alemão mais próximo, fazendo-o perder altitude, e OMT passou sobre eles para atacar o mais afastado. Ao atacar o "seu" avião, o Capitaine Lamy constata que uma das suas duas metralhadoras encravou. Foi pouco depois, a cerca de 4 Km da Frente, que se deu o combate fatídico.

Nesse momento, três aviões de caça Albatros desceram sobre eles. OMT e Lamy interrompem o ataque aos bilugares para enfrentar os Albatros, que têm as vantagens da surpresa, da altitude e da velocidade. A segunda arma de Lamy encrava também, e ele vê-se forçado a interromper o combate.

Mas ainda vê como OMT, acossado por um dos Albatros, vira sobre a sua esquerda e mergulha em direção ao solo, metralhado com balas incendiárias, de fósforo, pelo alemão. Lamy consegue regressar à sua base, e vai logo indagar junto da infantaria na linha da Frente o que ocorreu a OMT. A infantaria, que, por regulamento, tem a obrigação de observar os combates aéreos e reportar, é definitiva: o avião desapareceu atrás dum bosque. 

Infere-se do seu testemunho que o avião não caiu em chamas, mas também não voltou a ascender.

OMT voava no seu SPAD S.VII n.º 4268, equipado com uma metralhadora Vickers. O Capitaine Lamy voava num SPAD S.XIII. Em voo horizontal, ambos os aviões eram mais rápidos do que os Albatros D.V com que a Jasta 32b estava equipada, mas os alemães tinham vantagem tática decisiva. Não adiantou a OMT tentar escapar ao Albatros picando, pois o avião alemão picava mais velozmente, embora não pudesse fazê-lo por muito tempo. Acrescia que o piloto alemão, o Leutnant Rudolf Windisch, já então era um ás com 5 vitórias confirmadas, e tinha também a vantagem da experiência superior. Com efeito, OMT, há 18 dias na Escadrillefazia nesse dia apenas a sua quarta patrulha, e era a primeira vez que enfrentava o inimigo! Era, portanto, um combate demasiado desigual.

No dia seguinte, de madrugada, o Lieutenant André Borde, outro piloto da Escadrille SPA 65, levantou voo sozinho às 6 horas e 30 minutos, em novembro ainda devia ser de noite. Fez um voo solitário de patrulha baixa à cota de 200m do outro lado das linhas, para ver se localizava o avião de Monteiro Torres, mas não teve sucesso.

A desaparição de OMT não pressupunha diretamente a sua morte. No momento em que o capitão Norberto Guimarães, Chefe dos Serviços de Aviação do CEP, escreve para o Estado-maior do CEP a informar da desaparição de OMT, descrevendo o combate com a maior clareza (é a terceira carta a que atrás me referi), ainda se ignorava o destino do piloto português.

É preciso dizer com clareza que desde o primeiro momento esteve fora de questão ter OMT abatido qualquer um dos aviões alemães. Não somente a infantaria que presenciou o combate não fez qualquer referência a isso, como o Capitaine Lamy também o não fez, nem apresentou qualquer reclamação de vitória em nome de OMT. Este facto não deslustra o valor e a coragem de OMT. Mas simplesmente... foi assim.



Um Albatros D.V idêntico ao que abateu OMT. (Revista LA GUERRE AÉRIENNE ILLUSTRÉE, 1918, coleção do autor)


O relatório do combate entregue pelo piloto alemão, Rudolf Windisch, refere que abateu o SPAD sobre a localidade de Laval-en-Laonnois, uma aldeia apenas 10Km distante da cidade de Laon. Com efeito, OMT foi levado ainda com vida para o Hospital de Laon, onde faleceria algumas horas depois, na madrugada do dia 20, uma terça-feira. Foi enterrado em St. Vincent, que era o cemitério militar alemão daquela cidade.

inscrição "Port. Flieger Offizr.", sob o seu nome na lápide colocada pelos alemães na sua sepultura, é abreviatura de Portugiesisch Flieger Offizier, e significa literalmente, “Oficial Aviador Português”. A data é 20 de novembro de 1917.

 Após o Armistício, foi nomeada uma comissão para investigar e localizar a sepultura. O seu cadáver viria a ser repatriado para Portugal em 1930, não sem antes ter passado por vários cemitérios franceses. Depois de ser exumado do cemitério militar alemão de St. Vincent, em Laon, o seu cadáver foi trasladado para o de Vieille-Chapelle, antes de ser novamente enterrado no cemitério dos portugueses do CEP em Richebourg l’Avouée.

OMT foi agraciado pelos franceses, postumamente com a Légion d'Honneur, grau de Cavaleiro, o que lhe conferia, automaticamente, a Croix de Guerre com palma.

Augusto Mouta


 

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