FRANÇA, PRÓXIMO DO AERÓDROMO DE CHOQUES

Bom dia

Hoje vamos falar duma fotografia que, apesar de bem conhecida, ainda encerra algumas particularidades que podem interessar aos curiosos nestas matérias.

A fotografia foi uma de várias tiradas em França, numa data incerta situada entre 28 de dezembro de 1916 e meados de fevereiro de 1917. O local, é nas proximidades do aeródromo de Choques, que não ficava muito longe de Béthune. Esta cidadezinha francesa, por sua vez, não distava muito do Sector da Frente onde o Corpo Expedicionário Português (CEP) esteve a combater.

No entanto, na data em que a fotografia foi tirada, o CEP ainda não chegara a França, ou pelo menos ainda não tinha nenhuma unidade na Frente.

Com efeito, o pessoal da nossa Aeronáutica Militar presente nesta chapa constituiu o primeiro grupo de portugueses que enfrentou os alemães na Frente Ocidental, meses antes do CEP o ter feito.

O aeródromo de Choques era aquele onde estava, então, sediado o 10th Squadron RFC, uma unidade de reconhecimento e regulação de tiro britânica que operava com aviões BE 2, de várias subvariantes. Com a intervenção do Estado-maior do CEP e do Adido Militar da Legação Portuguesa em Paris, os nossos pilotos tinham obtido do comando do First Army britânico (sob cujas ordens mais tarde serviria o CEP) autorização para fazerem um estágio operacional numa das suas unidades, e a First  Brigade do RFC (a unidade que dava apoio aéreo àquele Exército) escolheu dentre as suas unidades subordinadas o 10th Squadron, comandado pelo Major G. B. Ward desde 17 de dezembro de 1916.

Da esquerda para a direita, podemos identificar:

  • O alferes Engenheiro João Branco, que mais tarde viria a chefiar os mecânicos dos Serviços de Aviação do CEP. Era um dos verdadeiros pioneiros da aviação portuguesa, tendo construído em 1913, com a ajuda do mecânico Norberto Gonçalves, um avião Blériot XI em Viana do Castelo, que voou com este último aos comandos. Apenas o motor teve de ser importado da Grã-Bretanha;
  • O então ainda tenente de Cavalaria António Sousa Maia, que aprendera a voar na Escola civil Ruffy-Baumann School of Flying em Hendon, próximo de Londres, que frequentou entre março e junho de 1916. Posteriormente obteve o certificado militar do Royal Flying Corps (RFC) com o 11th Reserve Squadron, no aeródromo de Northolt, em Ruislip, Uxbridge, North London, no dia 15 de agosto de 1916. Mais tarde faria parte da Escadrille N 124 Lafayette, da qual saiu em 3 de março de 1918, portanto já depois da sua renomeação como Escadrille SPA 124
  • O então ainda tenente de Cavalaria Óscar Monteiro Torres, que fez um percurso de aprendizagem aeronáutica idêntica ao de Sousa Maia. Mais tarde faria parte da Escadrille SPA 65 e viria a falecer na sequência dum combate aéreo que travou em 19 de novembro de 1917 sobre a localidade de Laval-en-Laonnois, próximo de Laon, abatido pelo Leutnant Rudolf Windisch da Jasta 32b;
  • O então ainda alferes de Cavalaria Alberto Lelo Portela, que fez um percurso formativo idêntico ao dos dois anteriores. Mais tarde, faria parte da Escadrille N 124 Lafayette e fez nela um percurso de quase sete meses de experiência de combate, deixando-a em final de junho de 1918, já a Escadrille se chamava SPA 124 Jeanne d'Arc. Veio a tornar-se o único piloto português a quem foi oficialmente creditada uma vitória aérea, em combate travado em 30 de maio de 1918 próximo de Reims;
  • O então ainda tenente de Infantaria José dos Santos Leite, que era o aviador mais antigo enquanto tal. Tinha iniciado a sua formação no Centre d'Aviation Militaire em Chartres, França, em novembro de 1915, na companhia de Sacadura Cabral e Joaquim Caseiro, e aí obtivera o seu brevet militar da Aéronautique Militaire com o número 2.670, em 10 de fevereiro de 1916. Posteriormente, fez um curso de combate em Pau, antes de regressar a Portugal para integrar a Comissão Técnica de Aeronáutica. Ainda arranjou tempo para fazer, em 17 de julho de 1916, o primeiro voo militar em Portugal, aos comandos do velhinho Deperdussin B, de 1912, que estava na Escola de Aeronáutica Militar de Vila Nova da Rainha. Mais tarde faria parte da Escadrille N 124 Lafayette, tendo sofrido um acidente em 18 de janeiro de 1918 que lhe causou ferimentos que determinaram a sua saída prematura da Escadrille (que ainda não tinha sido renomeada SPA 124);

Por trás deles, está um grupo de seis mecânicos, infelizmente nenhum dos quais foi possível identificar. Nessa época, os mecânicos eram encarados como uma espécie de factótum da aviação, com poucas especialidades separadas. Mas eram, também, raramente assinalados nos diversos documentos que sobreviveram até aos dias de hoje.

De assinalar, ainda, a presença de dois chauffeurs, motoristas da excelente viatura de transporte de pessoal que se encontra por trás deles.

A partir de uma observação no diário do secretário do general britânico Hugh Trenchard, comandante do RFC em França, de que estariam seis oficiais portugueses com o 10th Squadron, levanta-se a hipótese de lá ter estado também o observador capitão António Castilho Nobre.

Em 10 de fevereiro de 1917, durante o período em que os pilotos portugueses estiveram no Squadron, durante uma missão de observação de artilharia, este sofreu a perda dum BE 2c pilotado pelo Lieutenant W. A. Porkess, com o 2nd Lieutenant E. Roberts como observador. Foi abatido em chamas pelo fogo anti-aéreo na área de Annequin, tendo ambos os tripulantes morrido. Pouco tempo antes dos portugueses chegarem ao Squadron, outras baixas tinham sido sofridas. Por exemplo, no dia 11 de dezembro de 1916, tinha sido abatido em chamas pelo Leutnant Adolf Schulte da Jasta 12, também próximo de Annequin, um BE 2c que fazia reconhecimento fotográfico, pilotado pelo 2nd Lieutenant G. W. Dampier e com o 2nd Lieutenant H. C. Barr como observador, tendo morrido ambos os tripulantes. A vida na Frente era dura e o 10th Squadron RFC não fazia exceção à regra. Pouco mais de um mês depois, durante o Bloody April (abril de 1917), por exemplo, o Squadron perdeu quatro aviões e as suas tripulações.

Deve dizer-se que o estágio no 10th Squadron RFC não correu tão bem como se esperaria. De acordo com o próprio general Tamagnini de Abreu, comandante do CEP, os britânicos não deixaram os pilotos portugueses pilotar os seus aviões, mas deixaram-nos fazer missões como observadores. O que não deve ter deixado de frustrar os nossos aviadores. Um reflexo disso poderá estar no facto de todos os quatro pilotos terem posteriormente pugnado pela sua integração em unidades de caça e não de observação/ regulação de tiro.

Esta fotografia foi publicada pela primeira vez na revista PORTUGAL NA GUERRA n.º 4, de 1 de outubro de 1917, com uma legenda sugestiva. Adiciono a esta mensagem uma imagem da página da primeira publicação da fotografia.

Após terem participado neste estágio, os quatro pilotos portugueses apenas conseguiriam voltar a pilotar seriamente quando iniciaram em 1 de junho de 1917 um circuito pelas Escolas francesas especializadas de Avord ("aviões rápidos"), Pau (combate e acrobacia) e Cazaux (tiro aéreo), que terminou com a sua admissão no Groupe des Divisions d'Entraînement (GDE). Óscar Monteiro Torres fê-lo mais cedo, em setembro, devido à intercessão de Georges Guynemer, e os outros três em 12 de novembro como antecâmara da sua entrada na Escadrille N 124 Lafayette, que veio a ocorrer em 17 de dezembro de 1917.

Augusto Mouta



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